1ª
Questão
A
sociedade contemporânea é tida como uma sociedade de risco. E, risco traz à
baila uma complexa noção, pois designa simultaneamente, tanto um perigo
potencial como também sua percepção e, ainda, indica a situação percebida como perigosa
na qual estão inseridos efeitos de diversos sentidos.
A
sociedade de risco foi objeto de estudo de diversos pensadores, com destaque ao
sociólogo alemão Ulrich Beck que em 1986 lançou a obra intitulada
"Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade.". Tal obra somente
fora publicada em 2010 (após 24 anos de sua original publicação).
A
modernidade ou a pós-modernidade como consideram alguns é marcada por uma
ruptura histórica, assim como ocorrera na passagem da sociedade feudal para a
industrial. Mas, tal ruptura não significa o fim da sociedade moderna e, sim,
sua reconfiguração ou redimensionamento. Os riscos são reais e irreais, por
aliarem danos e perigos.
A
individualização é um marco relevante sendo relacionada à constituição social,
ao conceito que aborda o sujeito como elemento central das ações no mundo. São
os chamados de agentes de escolha quando se assume um elevado nível de controle
e responsabilidade quanto à exposição aos perigos e, seriam tanto produtores
como gestores de sua carga de risco.
Para o
pensador alemão a ciência política se torna crescentemente mais necessário e,
ao mesmo temo, menos eficiente para definir o que seja socialmente vinculante
de verdade. Assim o dever do Estado diante da sociedade de risco se amplia,
principalmente, quando está enfocando a âmbito ambiental.
A
Constituição Federal, ao prescrever o art. 225, inciso V, não especificou qual
ou quais riscos socioambientais seriam objeto de controle pelo Poder Público,
requerendo que o Leviatã assuma tantas quantas forem as feições do risco. Assim
posto, o Estado entendeu por controlar o risco relativo às atividades
decorrentes do uso de agrotóxicos, na forma da Lei n. 7.802/89.
Com a
edição da Lei n. 7.802/89, publicada em data posterior à promulgação da
Constituição de 1988, as atividades relacionadas com o controle da produção, da
comercialização e do emprego de substâncias relacionadas com agrotóxicos,
passaram a ser objeto de registro em órgão do Governo Federal.
Art.
3º Os agrotóxicos, seus componentes e afins, de acordo com definição do art. 2º
desta Lei, só poderão ser produzidos, exportados, importados, comercializados e
utilizados, se previamente registrados em órgão federal, de acordo com as
diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da
saúde, do meio ambiente e da agricultura.
Em
2002, o Poder Executivo baixou o Decreto n.º 4.074, tardiamente, para
regulamentar a Lei n.º 7.802/89, sanando controvérsias relativas aos órgãos
competentes para concessão de registro dos produtos que possuíssem a
probabilidade de perigo à sociedade e, no caso específico, ao Meio Ambiente.
Pelo
Decreto n.º 4.074/02, definiu-se, objetivamente, que caberia ao Ministério da
Agricultura a concessão de registro relativo ao uso de agrotóxico nos setores
de armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas; ao Ministério da
Saúde, nos casos em que a concessão incluísse o uso de agrotóxico em ambientes
construídos (urbanos), industriais, domiciliares e para tratamento de água e,
ao Ministério do Meio Ambiente, quando a concessão de registro alcançasse
ambientes da fauna e da flora, dentre os diversos ecossistemas existentes no
território brasileiro.
Quanto
mais a civilização humana avança tecnologicamente, em suas sucessivas gerações
industriais, muito mais fica exposta aos riscos, e como Ulrich Beck sentenciou,
que quanto maior for o desenvolvimento científico maiores serão os riscos para
a sociedade e para o meio ambiente numa escola que vai do indivíduo até a
coletividade planetária.
O
mesmo se dá com a sociedade da informação advento formado pelas novas
tecnologias de informação e comunicação (TICs) que interferem diretamente com
as questões culturais, políticas, sociais e econômica, relacionando-se
diretamente com as mudanças sociais e, também com as relações entre o Estado e
a sociedade que se tornaram, naturalmente, mais complexas na medida em que as
tecnologias foram impondo uma significativa dinâmica nas relações de poder.
Entender
a cidade contemporânea como ator protagonista dentro da dinâmica que envolve o
indivíduo e o Estado, traz a reflexão sobre as atuais estratégias para promover
o desenvolvimento em suas mais variadas formas.
Assim,
o Estado deve se configurar como polo de excelência da atuação democrática e da
cidadania e, a cidade deve ser problematizada em seus aspectos econômicos,
sociais e culturais, pois é nesta onde o indivíduo goza de seus direitos e
procura mudar as estruturas de dominação erigidas exatamente para o conter.
Basta
lembrar o choque direto ocorrido entre cidadãos e Estado, representado pelas
lutas nas ruas, a transformação de Paris que possuiu claros fins estratégicos
como o de limitar o sucesso de levantes populares.
Para
Castells a cidade informacional é o privilegiado espaço onde os cidadãos passam
a interagir com o poder político de forma diferenciada graças as NTIC e os
grandes avanços nos canais de comunicação entre o Estado e a população.
As
transformações de cunho social, política, econômico e cultural se tornam
realidade diante da liquidez contemporânea que tanto afeta hierarquias e altera
a burocracia. (In: CASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede - A era da informação:
economia, sociedade e cultura, Vol. 1. São Paulo: Paz e Terra, p. 17-49,
1999.).
Assim,
as relações de interação entre Estado e sociedade passa pela mediação de
tecnologias de comunicação e informação eis, que assim, se editou a LPGD, a Lei
de Proteção de Danos, representada pela lei 14.058/2020 que trouxe impactos no
Código Civil brasileiro e no Código de Defesa do Consumidor.
Ao
Estado também incumbe a inclusão digital principalmente quando para o exercício
da cidadania se necessita acessar sites, aplicativos e outras fontes
informacionais que demandam o uso das tecnologias de informação e comunicação.
Peter Häberle
tem notável contribuição na doutrina e jurisprudência brasileira,
principalmente, para o desenvolvimento do direito constitucional. E pela
pujança da necessidade de consolidação da ideia de uma sociedade aberta de
intérpretes da Constituição. Trata-se do novo Estado Constitucional do século XXI,
também chamado de Estado Constitucional Cooperativo. (In: HÄBERLE, Peter. El
estado constitucional. Trad. de Hector Fix-Fierro. México: Universidad Nacional
Autónoma de México, 2003. p. 75-77).
São os
próprios elementos do Estado constitucional que indicam o modelo de cooperação
internacional. Os procedimentos de concretização das democracias, a
independência da jurisdição – principalmente da jurisdição constitucional – e
os mecanismos de proteção interna e externa dos direitos humanos são decisivos
para a consagração do modelo de cooperação entre os Estados.
O
Estado constitucional, compreendido atualmente como Estado constitucional
cooperativo, é um projeto universal, apesar da diversidade tipológica entre os
países e das diferenças entre suas culturas nacionais. Diante dessa realidade,
segundo Häberle, os modestos meios do constitucionalismo devem ser
empregados
a fim de levar a cabo o necessário para que a América Latina, com sua riqueza
multiétnica e multicultural, se reafirme na era da globalização.
E a
cultura ressalta-se como elemento integrante do Estado por ser veículo de
identificação do povo e, da necessidade de se admitir a pluralidade cultural e
diversidades de sujeitos capazes de exercer cidadania.
Dessa
forma, o parágrafo único do art. 4º da CF/1988, estabelece que a “República Federativa
do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos
da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de
nações”; dispositivo constitucional que representa uma clara opção do
constituinte pela integração do Brasil em organismos supranacionais.
A
alteração dos elementos componentes da definição de Estado dá azo ao que se
chama de teoria do Estado contemporâneo.
Os
pressupostos de existência do Estado podem ser elencados de forma tríade,
compreendendo o elemento físico do território, o elemento humano do povo e o
elemento subjetivo da soberania. Quanto às notas características do Estado
Moderno, diversos doutrinadores preferem denominar elementos essenciais por
serem todos indispensáveis à existência do Estado, mas vige grande diversidade
de opiniões tanto na identificação quanto ao do número.
Assim
é que Santi Romano, entendendo que apenas a soberania e a territorialidade é
que são peculiares do Estado, indica esses dois elementos. A maioria dos
autores indica três elementos, embora divirjam quanto a eles. De maneira geral,
costuma-se mencionar a existência de dois elementos materiais, o território e o
povo, havendo grande variedade de opiniões sobre o terceiro elemento, que
muitos denominam formal.
O mais
comum é a identificação desse último elemento com o poder ou alguma de suas
expressões, como autoridade, governo ou soberania.
Para
Del Vecchio, além do povo e do território o que existe é o vínculo jurídico,
que seria, na realidade, um sistema de vínculos, pelo qual uma multidão de
pessoas encontra a própria unidade na forma do direito.
Já
Donato Donati sustenta que o terceiro elemento é a pessoa estatal, dotada de
capacidade para o exercício de duas soberanias: uma pessoal, exercida sobre o
povo, outra territorial, sobre o território.” (Dalmo de Abreu Dallari, in
“Elementos de Teoria Geral do Estado”, 18ª ed., São Paulo, Saraiva, 1994, p.
60-61).
Bem
leciona Michel Temer, que os elementos constitutivos do Estado também podem ser
entendidos da seguinte maneira: o território como a dimensão geográfica, o povo
como dimensão humana e o governo como dimensão política.
“A
doutrina distingue três elementos constitutivos do Estado: território,
população e governo. Certos autores, como Alexandre Groppali, admitem outro
elemento – a finalidade (cf. “Doutrina do Estado”, págs. 123 e segs., trad. de
Paulo Edmar de Souza Queiroz, São Paulo, Saraiva, 1953).
Parece-nos
cabível a consideração da finalidade, concebido o Estado como uma entidade de
fins precisos e determinados: regular globalmente, em todos os seus aspectos, a
vida social de dada comunidade (cf. Giorgio Balladore Pallieri, “Diritto Costituzionale”,
4ª ed., Milão, Dott. A. Giuffre Editore, 1955, pág. 10), visando à realização
do bem comum.
O
Estado é, assim, uma ordenação, que tem por fim específico e essencial a
regulamentação global das relações sociais entre os membros de uma dada
população sobre um dado território (cf. Balladore Pallieri, ob. cit., p. 14),
destacando, na definição, os quatro elementos constitutivos, entre os quais o
termo ordenação, que nos dá a ideia de poder institucionalizado, governo
constitucional. (Cf. também Dalmo de Abreu Dallari, “Elementos de Teoria Geral
do Estado”, págs. 64 a 104, São Paulo, Saraiva, 1972)” (José Afonso da Silva,
in “Curso de Direito Constitucional”, 3ª ed., revista atualizada, São Paulo,
Revista dos Tribunais, 1985, pág. 8).
Dos
três elementos essenciais caracterizadores do conceito precípuo de Estado, o
povo destaca-se como o pressuposto basilar e originário (elemento humano), sem
o qual sequer pode existir a concepção primária de Nação a permitir, em última
análise, a concepção da organização político-jurídica, de feição vinculativa,
que traduz a transformação daquela entidade em um autêntico Estado.
As
principais teorias que cogitam sobre a relação jurídica entre Estado e
território são as seguintes: teoria do território-patrimônio (que foi firmada
na Idade Média, quando ainda não se distinguia direito público do direito
privado, chegou até os tempos modernos. Ignorava o imperium, ou seja, a
soberania territorial e o dominium (propriedade do Estado) como conceitos desconformes
e concebendo o poder do Estado sobre o território da mesma natureza do direito
do proprietário sobre o imóvel.
Essa
teoria trouxe a origem do território moderno e, enfatiza a posse. O território é propriedade do Estado, na
concepção medieva.
A
teoria do território-objeto que vislumbra o território como objeto de um
direito real de caráter público.
E,
nessa teoria, a relação do Estado com seu território é meramente de domínio. Corresponde
a etapa em que o território não pertence mais ao Rei, deixando de ser
patrimônio do soberano e passando a ser território-objeto (que não pertencem a
ninguém), sendo disciplinado pelo Direito Público.
O
Estado exerce um direito retal de propriedade de caráter público sobre o
território, e assim, fez-se a diferenciação entre o domínio do Estado, o
domínio útil, exercido pelo cidadão.
A
teoria do território-espaço significa que o território é a expressão espacial
da soberania do Estado. A relação é de direito pessoal, jamais de direito real.
Assim, O poder do Estado sobre o território se refere a pessoas ou se aplica
por meio de pessoas como o imperium, nunca como dominium.
Trata-se
de direito reflexo, isto é, é por meio de pessoas que o Estado exerce
efetivamente o poder sobre seu território. Tal teoria surgiu ao final do século
XIX e defendeu que o território tem de corresponder ao espaço físico compatível
com os determinismo da geopolítica. O Estado exerce sobre o território um poder
de imperium, que é um poder exercido sobre pessoas e não sobre coisas.
A
teoria do território-competência que considera o território como âmbito de
validade de ordem jurídica do Estado, o espaço onde vigora o poder soberano de
apenas um Estado.
Foi
defendida por Hans Kelsen. Sendo a mais aceita atualmente, e, assim, apesar
dela, pode-se notar que não vige consenso sobre a relação jurídica do Estado
com o seu território.
Importante
salientar que não existe Estado sem território, apesar que a perda temporária
do território não desnatura o Estado, que continuaria a existir enquanto não se
tornar definitiva a impossibilidade de se reintegrar o território com os outros
elementos.
Nos
limites territoriais a ordem jurídica do Estado é soberana. Em caráter
excepcional, certas normas jurídicas atuam além dos limites territoriais,
visando somente diretamente à situação pessoal dos indivíduos, contudo, sem
poder concretizar a providência externa sem a permissão de outra soberania.
Frise-se,
ainda, que por ser limite de atuação soberana do Estado, o território é objeto
de direitos. E, assim, havendo interesse do povo, o Estado pode alienar uma
parte de seu território, bem como em situações em especiais, usar o território
sem qualquer limitação.
Na
qualidade de protetor da propriedade particular, pode nela intervir, em
hipótese de necessidade pública e de interesse social, efetuando qualquer uma
das modalidades de intervenção na propriedade, consoante a forma preceituada em
lei (desapropriação direta e indireta, requisição, servidão administrativa,
tombamento etc.) considerando a efetiva soberania que ele tem sobre a
totalidade efetiva de seu território.
A
noção de soberania (popular/nacional) exerceu grande influência na Revolução
Francesa, proclamando o povo/nação como o originário detentor de qualquer poder
político e, nesse sentido, ratificou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em seu artigo 3º.
Contudo,
disseminou-se as doutrinas que transferiram a soberania do povo/nação para o
Estado, tido como ente dotado de personalidade jurídica. E, dessa forma, as
ações dos Estados totalitários passaram a ganhar legitimidade, pois este era o
detentor do poder uno, invisível e incontrastável.
Após,
a Segunda Grande Guerra Mundial viu-se a necessidade de criar limitações para o
poder dos Estados, criou-se então, órgãos e legislações internacionais que
viabilizassem a convivência pacífica dos Estados.
Assim,
os Estados preocupados com a autoconservação, criaram órgãos internacionais
para forçá-los a permanecerem em uma atitude de respeito, impedindo que um
Estado invada a esfera de competências de outro ou até tente dominá-lo pela
força.
A
doutrina por muito tempo travou batalha que buscava explicar qual era a fonte e
quem seria o titular da soberania. E, tal batalha resultou na produção de
diversas teorias cuja abordagem é imprescindível.
As
teorias do Direito divino possuem suas raízes nas monarquias antigas, mas que
ganham força na baixa idade média e no início da idade moderna. Darcy Azambuja,
em sua magnífica obra, discorre (AZAMBUJA, p. 63):
“As
chamadas doutrinas teocráticas, ou teorias do Direito divino, ensinam que todo
poder vem de Deus (Omnis potestas a Deo); (...) sendo possível dividi-las em
dois grandes grupos: Teorias do direito divino sobrenatural e Teorias do
direito divino providencial.”
A
Teoria do direito divino sobrenatural aduz que, em Deus, reside a origem de
todo poder. Destarte, será Deus que determinará a pessoa que exercerá o poder.
A teoria do direito divino providencial, por sua vez, alega que Deus não
fornece o poder a nenhum particular, mas sim ao povo que possui a capacidade de
escolha.
Ganhando
força com as ideias de Rousseau e outros iluministas, as teorias democráticas
consideram como origem de toda soberania o povo (soberania popular), ou a nação
(soberania nacional). Contudo, torna-se relevante consignar a observação de
Friede (FRIEDE, p. 68):
“As
teorias democráticas, por sua vez, reconhecem a inconteste titularidade do
povo, ainda que adstrito a um contexto evolutivo que pode ser concebido desde a
ideia primitiva de população (teoria da soberania do povo), passando pela noção
de agrupamento com efetivo vínculo de nacionalidade (teoria da soberania da Nação).
A
teoria da soberania do Estado pertence às escolas alemãs e austríacas, partindo
do princípio de que a soberania é a capacidade de autodeterminação do Estado
por direito próprio.
O
Direito é feito pelo Estado para o Estado. Em outras palavras, a titularidade
da soberania pertence ao povo em um contexto despersonalizado, como pessoa
jurídica.
Posteriormente,
com a influência Jellinek e Kelsen, surgiu uma teoria normativista, inserindo a
soberania em um plano puramente jurídico.
Segundo
a mesma teoria, todo direito provém do Estado, negando-se assim o direito
natural e estabelecendo um poder absoluto e ilimitado do Estado. Logo, toda
forma de coação é legítima, pois visa realizar o direito como expressão da
vontade do Estado.
A
teoria negativista trouxe inovações alegando a inexistência concreta da
soberania, pois o que existe é a ideia de um poder soberano. Logo, a soberania
é uma ideia abstrata. Embora neguem a
existência da soberania como direito, admitem que ela é imprescindível para a
convivência social. Elucidando a ideia de Duguit, Azambuja expõe (AZAMBUJA, p.
78).
“O
Estado e o poder são realidades universais e necessárias. As teorias que as
procuram explicar podem ser errôneas e passam, mas o Estado e o poder
permanecem.”
Por
fim, a teoria realista ou institucionalista surge para conciliar a teoria da
soberania nacional e da soberania do Estado. Nesse sentido, Salienta Maluf
(MALUF, p. 36):
“A
Soberania é originária da Nação, mas só adquire expressão concreta e objetiva
quando se institucionaliza no órgão estatal, recebendo através deste o seu
ordenamento jurídico-formal dinâmico.”
Logo,
a soberania é originariamente da Nação (quanto à fonte de poder), mas,
juridicamente, do Estado (quanto ao seu exercício). Dentre as teorias
supracitadas, pode-se sintetizá-las na afirmação dogmática da onipotência do
Estado.
A
doutrina clássica costumava dizer que a soberania era uma Poder uno,
indivisível e inalienável, não submetido a nenhum outro poder seja de ordem
interna ou externa. Sahid Maluf chega a destacar: “A soberania é uma autoridade
superior que não pode ser limitada por nenhum outro poder.”
Todavia, dentro do Estado Moderno, qualquer
concepção que tome a soberania como poder ilimitado tente a padecer de
incoerência.
A
soberania constitui-se como uma expressão que pode ser traduzida por intermédio
de duas classes gramaticais (Substantivo e adjetivo), como expõe Reis Friede
(FRIEDE, p. 62):
“No
sentido material (substantivo) é o poder que tem a coletividade humana de se
organizar jurídica e politicamente (forjando, em última análise, o próprio
Estado) e de fazer valer em seu território a universalidade de suas decisões.
No aspecto adjetivo, por sua vez, a soberania se exterioriza conceitualmente
como a qualidade suprema do poder, inerente ao Estado.”
A
partir deste ponto, é possível considerar a soberania sobre o prisma político,
jurídico e cultural (político-jurídica).
Em
termos políticos, a soberania é o Poder incontrastável de querer
coercitivamente e de fixar competências.
Em
termos jurídicos, a soberania é o poder de decidir em última instância sobre a
eficácia das normas jurídicas, isto é, sobre a eficácia do direito positivo. Nesse
sentido, aduz Goffredo Telles (JUNIOR, p. 118):
“A
Soberania do Estado, fundada no poder primordial do povo, consiste no supremo
poder de decidir o que deve e o que não deve ser considerado jurídico, em seu
território.”
A
concepção jurídica foi abordada por Hans Kelsen, sendo este pensador ligado ao
ápice do positivismo jurídico, trazendo a seguinte ideia (KELSEN, p. 364):
“O
poder do Estado a qual o povo está sujeito nada mais é do que a validade e a
eficácia da ordem jurídica (...) a soberania deve ser considerada uma qualidade
desse poder. Porque a soberania só pode ser qualidade de uma ordem normativa na
condição de autoridade que é fonte de obrigações e direitos.
Sobre
a concepção cultural ou político-jurídica, Miguel Reale preceitua (REALE, p.
140): “Soberania é o poder que tem uma Nação de se organizar-se livremente e de
fazer valer dentro do seu território a universalidade de suas decisões para a
realização do bem comum.”
Dando
ênfase ao aspecto adjetivo da soberania, isto é, reconhecendo que a soberania
não é um poder, mas uma qualidade de poder, posiciona-se Kildare (CARVALHO, p.
71.):
“É a
soberania, pois, uma qualidade, a mais elevada, do poder estatal, e não o
próprio poder do Estado, significando, no plano interno, supremacia e
superioridade do Estado sobre as demais organizações e, no plano externo,
independência do Estado em relação aos demais Estados.”
Nesse
mesmo sentido (AZAMBUJA, p. 62): “A soberania designa, não o poder, mas uma
qualidade do poder do Estado. A soberania é o grau máximo que pode atingir este
poder, supremo no sentido de não reconhecer outro juridicamente superior a ele,
nem igual no mesmo território.”
A
doutrina, além de tudo, também consigna algumas características adstritas à
soberania, sendo elas: unidade, indivisibilidade, inalienabilidade e
imprescritibilidade.
Ela é
una, pois, no mesmo Estado, não há mais de uma autoridade soberana. Dessa
forma, quando se cogita em federação, se diz que o detentor da soberania é o
ente que representa a união dos Estados-membros, sendo estes últimos,
individualmente, dotados de autonomia.
A
soberania é indivisível porque, além das razões que justificam a sua unidade, o
poder soberano não se divide, havendo, apenas, uma repartição de competência
entre os órgãos que exercerão o aludido poder.
É
inalienável, porque uma vez concebida, não pode ser desconstituída ou
transferida. Por fim, ela é imprescritível, porque não existe prazo algum para
sua duração, ou seja, ela não se encontra condicionada a termo temporal.
A Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 traz, em seu art. 1º, os fundamentos do mesmo como Estado
Democrático de Direito. O primeiro fundamento, e o mais importante, é a
soberania (Art. 1º, I). Visto que, sem a soberania, isto é, sem o poder de
impor suas decisões e fazer valer sua ordem jurídica dentro de seu próprio
território, o Estado jamais conseguiria resguardar os demais fundamentos.
Viu-se,
até agora, que a ideia de soberania está sempre ligada à ideia de poder. As
divergências doutrinárias atuais recaem sobre o aspecto substantivo e adjetivo,
bem como na forma de conceituá-la e apresentar suas características. A maioria
da doutrina já reconhece as limitações impostas pelo Estado Moderno, mormente
no que tange o Direito Internacional e as regras de convivência pacífica entre
os Estados soberanos.
A
forma de limitação mais antiga da soberania é o famigerado Direito Natural que
abarrotava os discursos Jusnaturalistas. Este consiste em um Direito anterior
ao reconhecimento positivo e que serve de fundamento desse último. Segundo Hugo
de Brito (MACHADO, P. 10):
“Diz-se
direito natural o conjunto de princípios que resultariam da própria divindade,
ou da própria natureza, e que seria superior e fundante do direito positivo.”
Sendo
assim, o direito positivo visto como instrumento de coordenação do Direito, só
encontra legitimidade quando se conforma com as leis da natureza que possuem
perenidade e imutabilidade. O Direito Natural serviu de base para o que o hoje
se denomina Direitos Fundamentais e Direitos Humanos.
Destarte,
qualquer ato do poder soberano que afrontar o direito natural é tirânico,
corrupto e destituído de legitimidade. Algo que seria absurdo para o
positivismo, pois todo direito nasce com o Estado. Na medida em que o Estado
não poderá legislar ou executar atos que afrontem os direitos naturais, o poder
deste encontra limites. Nesse sentido, diz Azambuja (AZAMBUJA, p. 83):
“O
poder soberano deverá realizar o bem comum, só podendo fazê-lo respeitando os
princípios permanentes do Direito e da Moral. Desde que o Estado infringisse o
Direito e a Moral, não poderia mais realizar o bem à sociedade, negar-se-ia a
si mesmo, não seria mais uma força legítima, não poderia mais ser obedecido.”
Concernente
à esfera de atuação exterior da soberania, a questão apresenta notáveis fatores
de complexidade, haja vista que no cenário internacional coexiste diversos
protagonistas estatais, todos dotados do idêntico atributo da soberania. Sobre
isso, observa Sahid Maluf (MALUF, p. 38):
“No
plano internacional, a soberania é limitada pelos imperativos de coexistência
entre os Estados soberanos, não podendo invadir a esfera de ação das outras
soberanias.”
Torna-se
imprescindível indagar-se sobre a finalidade da soberania, sendo ela, a priori,
garantir a ordem e a paz. Logo, quando ela viola o direito natural, propaga a
violência, perturbando a paz. Quando a soberania de um Estado invade a de
outro, causa o caos, perturbando a paz e a ordem. Sendo assim, parecem estar
corretas as palavras de Mouskheli apud Maluf, que diz: “A soberania é um poder
absoluto, encontrando, porém, sua limitação natural na própria finalidade que
lhe é essencial.
A
soberania como elemento que viabiliza o Estado como realidade efetiva é um
assunto extremamente complexo como visto acima. A doutrina, por vezes, se
esquiva da abordagem aprofundada sobre o tema, pois corre o risco de
equivocar-se a cada passo. A concepção da soberania altera-se com o passar do
tempo devido aos constantes processos sociais, históricos e políticos.
Referências:
AZAMBUJA,
Darcy. Introdução à Ciência Política. 13. Ed. São Paulo: Globo, 2001.
BRASIL,
Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
Brasília DF: Senado, 1988.
CARVALHO,
Kildare Gonçalves. Direito Constitucional Didático. 6. Ed. rev. e atual.
Belo Horizonte: DelRey, 1999.
DALLARI,
Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. 30. Ed. São Paulo:
Saraiva, 2011.
JUNIOR, Goffredo Telles. Iniciação na Ciência do Direito.
4. Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008
KELSEN,
Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado; Tradução: Luís Carlos Borges.
3.Ed. São Paulo: Martins fontes, 1998.
MACHADO,
Hugo de Brito. Introdução ao Estudo do Direito. 3.Ed. São Paulo: Atlas,
2012.
MALUF,
Sahid. Teoria Geral do Estado. 31. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
REALE,
Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5. Ed. Rev. São Paulo: Saraiva,
2000.
SOARES,
Mário Lúcio Quintão. Teoria do Estado. 2. Ed. rev. e atual. Belo
Horizonte: Del Rey, 2004.
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