Positivismo,
neopositivismo, nacional-positivismo.
Positivism, neopositivism, national-positivism.
Resumo:
O positivismo experimentou variações e espécies e chegou a ser fundamento
jusfilosófico para a implantação de regimes nazistas e fascistas, mas, no entanto,
sua tergiversação não justifica seu demérito. E, o neopositivismo vem, na
contemporaneidade, recuperar a validade e eficácia do direito, especialmente,
no Estado Democrático de Direito. Foi a doutrina alemã do pós-guerra que
responsabilizou a teoria de Kelsen pela submissão absoluta dos juristas aos
ditames normativos do nazismo e do fascismo alegando que a suposta tese
kelseniana de que” a lei é lei” e, como tal, deve ser acatada e aplicada pelos
operadores do direito, deixando os juristas alemães indefesos diante de
aberrações jurídicas cometidas pelo nacional-socialismo.
Palavras-chave: Teoria Geral do Direito. Filosofia do
Direito. Positivismo. Neopositivismo. Pós-positivismo. Nacional-positivismo.
Abstract:
Positivism experienced variations and species and became a philosophical
foundation for the implementation of Nazi and fascist regimes, but, however,
its tergiversation does not justify its demerit. And, neopositivism comes, in
contemporary times, to recover the validity and effectiveness of law,
especially in the Democratic State of Law. It was post-war German doctrine that
held Kelsen's theory responsible for the absolute submission of jurists to the
normative dictates of Nazism and fascism, claiming that the supposed Kelsenian
thesis that “the law is law” and, as such, must be accepted and applied by
legal operators, leaving German jurists defenseless in the face of legal
aberrations committed by National Socialism.
Keywords:
General Theory of Law. Philosophy of law. Positivism. Neopositivism.
Post-positivism. National positivism.
O
nacional-positivismo[1] é movimento político que
se resume em ser nacionalista nas palavras e positivista nas atitudes. O
relativismo axiológico vem apaziguar os problemas epistemológicos causados pela
rejeição ao postulado de neutralidade. Todavia, o direito positivo deve submeter
sua validade a algum valor, ao valor do justo, que enfim, será definida pela
autoridade judicial no momento da decisão que institui a norma individual, não
pela autoridade parlamentar, mas no caso concreto.
Ao
contrário da autoridade parlamentar, o juiz não é eleito pelos destinatários
das normas jurídicas[2], e tampouco o desenrolar
do processo que culmina em sua decisão é permeado pela transparência e pela
supervisão externa que em regra caracterizam o procedimento verificado no
parlamento.
Deste modo, e em conclusão, não há dúvida de
que tanto em uma democracia quanto em um regime autocrático ele pode questionar
a pertinência da aplicação da norma geral, em princípio estabelecida pelo
legislador ou pelo tirano para ser “concretizada” por intermédio de sua
decisão.
Ocorre
que, se a opção for pela insurgência, ou seja, se o juiz preferir ignorar os
termos expressos na norma geral, é justamente no articulado apresentado pelo
positivismo jurídico que ele poderá sustentar teoricamente sua atitude, é lá
que ele poderá encontrar o aparato técnico capaz de fornecer explicação
conceitual à sua escolha.
O
pós-positivismo, ao atribuir normatividade aos princípios e defender a
reinserção de valores morais no âmbito do direito, serviu de base jusfilosófica
para o neoconstitucionalismo. Capaz de influenciar o neopositivismo liderado
por Dworkin e Alexy.
Sobre
a colaboração do positivismo jurídico no que se refere o surgimento de regimes
autoritários no fim do século XIX até metade do século XX, especialmente no que
tange ao desenvolvimento do regime Nacional-Socialista Alemão. Para isso se faz
um breve apanhado da forma de organização do Estado Nacional-Social, bem como a
sua forma de organização jurídica que foi estabelecida neste período, traz-se posteriormente
o positivismo jurídico e as escolas antissistemáticas surgidas no período.
Analisando-se
a tendência antidemocrática do positivismo normativo que fora acusado de ser a
teoria jurídica que permitiu e favoreceu a consolidação do regime
nacional-socialista alemão, especialmente, no que se refere às atrocidades
cometidas fartamente durante a Segunda Grande Guerra Mundial.
Deve-se
considerar os acontecimentos históricos e políticos que amalgamaram a formação
do regime nacional socialista, seus fundamentos políticos e, principalmente,
sua forma de organização jurídica, bem como os argumentos que fundamentaram a
acusação de sua culpa quanto às atrocidades retromencionadas. O objeto desse
modesto texto é de crucial importância tanto para a teoria do direito como para
a prática jurídica, pois o positivismo jurídico é prevalente em todo mundo
jurídico e seus tentáculos e influências se disseminam em toda ordem jurídica.
Nos
derradeiros anos, muitas acusações lançadas contra o positivismo resultaram em
propostas de modificações na forma de se pensar o direito, sobretudo, na forma
avalorativa de se conceber o direito tanto como ciência como técnica.
O
questionamento sobre se a teoria do positivismo jurídico é antidemocrática e
teria sido instrumento jurídico que viabilizou o autoritarismo do regime
nacional socialistas e sua atuação desastrosa?
Após,
a Segunda Grande Guerra Mundial, o Direito experimentou um conjunto de
modificações e adaptações em relação ao seu conteúdo e sua paliação, isso
também, em razão da indignação diante tantas atrocidades cometidas durante os
regimes antidemocráticos que surgiram ao final do século XIX.
Ao
analisarmos os motivos históricos, filosóficos e jurídicos que acarretaram a
consolidação do regime nacional-socialista e a forma que tratava o direito
nacional naquele período.
Primeiramente,
considera-se que o século XIX se notabilizou em ser o século das promessas não
cumpridas, onde não se teve êxito em firmarem-se as democracias, nem mesmo se
efetivou à maioria os direitos liberais também prometidos pela Revolução
Francesa, de forma que o Estado nacional, com seu sistema de classes, entrou em
crise.
Os
inúmeros regimes anteriores à Segunda Guerra Mundial, tal como o
nacional-socialismo, o fascismo e o marxismo, foram regimes que,
particularmente, questionavam a lógica do sistema e os ideais liberais e,
ainda, tentavam dar outra resposta ao Estado-Nacional em crise, inclusive no
que se refere ao sistema jurídico estabelecido na época.
Já, no
início do século XX em bora parte da Europa encontrava-se sob a jurisdição de
regimes antidemocráticos. E, foi neste contexto que ascendeu ao poder na
Alemanha o regime nazista[3] que somou seus ideais
racistas e nacionalistas com o apoio incondicional da imensa maioria da
população e dos juristas, dando legitimidade ao regime e possibilitando que a
violência tomasse as proporções que tomou.
E, tal
regime galgou o poder, erguendo duas bandeiras, o racismo, onde excluía parte
da população o direito de pertencer à raça humana, ligado ao nacionalismo e a
ideia de unificação de uma raça superior.
Aliás,
o nacionalismo adotado no nazismo trazia como um fundamento a unificação de um
povo[4] pelo idioma comum, sob o
argumento de que se tratava de uma etnia superior às demais, sob a qual havia
uma escolha divina, sendo seu destino dominar a humanidade.
Resta
evidente que a decadência de prestígio do Estado-Nação, acompanhada da
decadência do sistema partidário após a Primeira Guerra Mundial, aliado as
instabilidades econômicas, possibilitaram o afloramento de políticas
autoritárias em vários cantos das Europa, sendo benéfico em especial ao regime
nazista.
Outro
elemento caracterizador do regime nacional-socialista é o racismo, levado às proporções
nunca vistas, especialmente, no que se refere ao ódio judeu. E, nesse período,
no mundo todo haviam surgidos partidos políticos com ideais antissemitas tinham
como principal argumento o fato de que os judeus constituíram um grupo alheio à
sociedade, o que até era verdade, e que tinham grandes ambições políticas, o
que não era verdade, os judeus sempre se mantiveram distantes da política de
forma que lhes foi possível associar-se com o Estado constituído nas mais
diferentes formas políticas.
As
teorias traziam sua ambição de dominar o mundo, sua responsabilidade por
guerras e, mais, todo tipo de argumento absurdo. E, assim, a classe média e
inferiores, principais atingidas pela crise econômica vivida no período, passam
ser fortemente antissemitas.
Os
judeus, desde a idade média nunca conseguiram se assimilar a sociedade em
geral, permanecendo sempre como um corpo separado da sociedade, ora como
privilegiados ora como superprivilegiados, mas nunca como igual, formando
assim, especialmente após a Revolução Francesa, um elemento intereuropeu em um
mundo estruturado em estados-nacionais. Neste período, com a consolidação da
política imperialista, inicia-se o declínio judeu com a perda de seu papel de
financiador do Estado e por consequência da sua influência.
No
entanto, foi na Alemanha que ganhou maiores proporções, quando se associou o
antissemitismo ao nacionalismo, dentro de regime totalitário, que tornaram
capazes a execução do Holocausto.
Apenas
as raças superprivilegiadas faziam parte do povo, sendo que quem não fazia
parte do povo, as minorias tais como os judeus, ciganos, homossexuais,
portadores de deficiências etc., ou quem ao regime se opunha por questões
ideológicas, deveriam ser descartados.
O
derradeiro elemento do rol dos quais se possibilitou a ascensão ao poder do
regime nacional-socialista e a consolidação de suas atrocidades foi a adoção de
política autoritária totalitarista. Afinal, o totalitarismo corresponde ao
domínio total de todos os setores da sociedade, com o fito de organização das
massas, esse regime, não tolera outros partidos nem oposição, integra o
exército ao governo e o governo ao partido. E, através dessa unidade através de
massivas propagandas que espalharam o terror e usou mentiras utilitárias e ilógicas
para disseminar o medo e transformar a opinião pública em unanimidade.
Utilizou
ainda o sentimento de inferioridade e a insatisfação das massas para achar-lhes
culpados, com fatos fictícios, dando a estas questões[5] mirabolantes com soluções
infalíveis e milagrosas.
Assim,
criaram-se as condições artificiais de guerra civil, quando então,
proporcionaram sentimento que pode fornecer segurança às pessoas, no entanto,
ao chegar ao poder mantém esse ambiente de terror por meio das investigações,
da polícia secreta e de organismo que dos mais variados modos aterrorizam a
vida das pessoas.
Ao
extremo ponto chegou-se como forma de concretizar o que se obteve o domínio
total, tanto que se criaram-se os campos de extermínio e, a exterminação em
massa, apenas para comprovar cabalmente todo seu poder.
Portanto,
acrescentando-se as condições políticas de crise de forma de organização da
sociedade europeia naquele momento histórico, o antigo racismo foi direcionado
à comunidade judaica, com um regime totalitário fundado no terror e na ideia de
uma nação que tinha por dever dominar as demais nações inferiores,
consolidou-se em um dos mais absurdos acontecimentos da história da humanidade,
o holocausto.
A
propósito, foi a partir da ideia darwinista de evolução das espécies,
aproveitado o antigo ódio contra os judeus, surgem algumas teorias, estas sem
nenhum caráter científico, que buscavam explicar a superioridade e
inferioridade de algumas raças.
Essas
teorias forma alargamento das utilizadas por Hitler frente à população para
embasar suas atrocidades quanto aos demais povos.
O
holocausto[6] resultou na morte de
quatro milhões e meio a seis milhões de pessoas e chegando ao assassinato de
seis a doze mil pessoas ao dia, isso fora dos campos de batalhas, fazendo
necessário a formação de nova categoria que caracterizasse tais crimes, cria-se
assim, o conceito de genocídio.
A
fórmula que resultou no Holocausto é advinda da associação entre racismo,
nacionalismo, autoritarismo totalitário que unidos formavam a essência
ideológica do regime nacional-socialista.
O
holocausto teve amparo legal, sendo que a maioria das atrocidades positivadas
pelas Leis de Nuremberg[7], foi então que se
questionou como os juristas alemães permitiram tais práticas?
Quando
se cogita no Direito durante o regime nacional-socialista, sendo comum
deparar-se com acusações em relação ao positivismo jurídico que ganharam
expressão, especialmente, com Gustav Radbruch, principalmente no que se refere
aos seus dogmas de obediência absoluta à lei e sua desvinculação de valores em
relação à aplicação[8]
da norma jurídica.
E,
assim, torna-se relevante o estudo do ambiente jurídico que a Alemanha viveu
durante muitos anos que antecederam a ascensão do nazismo. No século XIX, o mundo
jurídico estava dominado pelo positivismo normativo e sua lógica sistemática.
Tal
corrente doutrinária defendia direito embasado unicamente na lei, com um
ordenamento jurídico completo e coerente, sem interferências morais e
ideológicas na sua aplicação, teve como seu principal teorizador Hans Kelsen,
especialmente, em sua obra Teoria Pura do Direito.
A
definição fornecida pelo Ministro do STF Luís Roberto Barroso (2015) o positivismo
jurídico aplica os fundamentos do positivismo filosófico no mundo do direito,
na pretensão de criar uma ciência jurídica, com características análogas às
ciências exatas e naturais. A busca de objetividade científica, com ênfase na
realidade observável e não na especulação filosófica, apartou o Direito da
moral e dos valores transcendentes.
Direito
é norma, ato emanado do Estado com caráter imperativo e força coativa. A
ciência do Direito, como todas as demais, deve-se fundar em juízo de fato, que
visam o conhecimento da realidade, e não em juízos de valor, que representam
uma tomada de posição diante da realidade.
Percebe-se
que o positivismo jurídico tem como pressuposto a aproximação absoluta entre o
direito e a norma, na afirmação de um direito exclusivamente estatal,
justificado em sua forma, onde se qualificam as normas em decorrência de sua
validade e, não de seu conteúdo.
Idealizando,
ipso facto, o direito como ordenamento jurídico sistemático completo e
coerente, onde jaz conceitos e instrumentos suficientes para a resolução de
todos os conflitos possíveis, não havendo desse modo lacunas nem contradições.
Desta
forma, o direito é lei e ao julgador resta o simples papel de aplicação da
norma ao caso concreto, o que deve fazer por meio da subsunção entre fato e
norma, onde apenas verifica se a conduta
do agente é compatível com a descrita pela norma jurídica, aplicando ou não as
consequências trazidas pela mesma.
Sendo
absolutamente impedido utilizar ou fazer qualquer relação aos valores morais
durante aplicação da norma jurídica. Bobbio, aliás, descreveu o positivismo
jurídico através de sete elementos ou características fundamentais, que juntas
resumem todos os postulados positivistas, que são: o direito abordado de forma
avalorativa, isto é, como um fato e não como um valor, de onde se extraí a
teoria da validade do direito ou a teoria do formalismo jurídico; a definição
do direito em razão do elemento da coação,
que
fundamenta a teoria da coatividade do Direito, onde as normas se fazem valer
por meio da força; o direito como fonte preeminente a lei; a teoria da norma
jurídica que aborda a norma jurídica como um comando, levando a teoria
imperativista do direito; o direito concebido dentro de um ordenamento
jurídico, elaborado como conjunto de normas coerentes e completas entre si:
direito lido pelo método da ciência jurídica que determina que seja
interpretado de forma mecânica; e, por fim, a teoria da obediência, que se
refere mais ao positivismo ético que ao positivismo jurídico.
Entretanto,
conforme já afirmado, com a crise do Estado-Nação, de diversas partes do globo
surgiram movimentos que questionavam a lógica do sistema implantado, como o
socialismo e autoritarismo. Assim, na esfera jurídica igualmente passaram a
surgir movimentos que questionavam a lógica positivista, que findaram por serem
denominadas de correntes doutrinárias irracionalistas ou antirracionalistas.
Foi,
especialmente na Alemanha, onde surgiram duas escolas doutrinárias
assistemáticas, chamadas de movimento do Direito livre e de Jurisprudência dos
interesses. E, tais correntes, do fim do século XIX, iniciando como uma única
corrente de pensamento que em 1905 se dividiu em dois setores, ambas se
exauriram nos anos imediatamente anteriores a segunda grande guerra.
Losano
comentou que: " De fato, ambos eram caracterizados pela crítica contra o
monopólio do Estado na produção do direito e pela convicção de que o juiz
desenvolvia uma atividade criadora do direito, podemos considerar que ambas as
escolas tinham objetos e objetivos muito similar e que a jurisprudência dos
interesses seria então, a ala mais moderada do movimento do Direito Livre[9].
Esse
movimento também conhecido como jusliberalismo e teve seu clímax nos anos de
1905 a 1914, sua consolidação e declínio ocorreu exatamente entre a primeira
guerra mundial e a ascensão do nacional socialismo em 1933, tendo força na
Áustria e Alemanha.
O
movimento sempre relacionado à esquerda, era nascido para combater um sistema,
buscando dar-lhe flexibilidade, defendendo, sobretudo, um papel de criação do
Direito por parte dos juízes, entendendo que o juiz ao proferir sua sentença
tem poder de decidir prater e contra legem, ainda que com algumas
ressalvas em relação a este último.
Já
para a jurisprudência dos interesses[10], o juiz teria
positivamente uma função criativa de adaptação da realidade, porém, não
considerava possível o julgamento contra legem, que foi o grande motivo da
cisão entre as duas escolas.
Basicamente,
a jurisprudência dos interesses defendida que todo o caso era um conflito de
interesses e que não seria possível ao legislador prever todos os conflitos, de
modo que sempre existirá lacuna, cabendo ao juiz preenchê-las, remetendo as
soluções dadas em casos concretos análogos de onde seria possível extrair-lhes
valores orientadores a todos os casos concretos possíveis.
No
entanto, não se remete a analogia pura e simples, mas sim, aos certos valores
inerentes ao sistema jurídico, assim, trata-se de nova forma de enxergar o
sistema. E, com o advento da República de Weimar em 1919, a falta de ordem
política, a grande desvalorização monetária, os danos de guerra, desemprego
etc., tornaram a interpretação de acordo com os critérios da Escola da Exegese[11] insuficientes para
resolver os novos conflitos surgidos, de forma que se passa a utilizar na
Alemanha os preceitos do movimento do Direito livre, permanecendo assim, até o
início do regime nacional-socialista.
Assim,
as ideias jusliberalistas foram sendo readaptadas pelo movimento
nacional-socialista e acabaram desse modo, favorecendo o desvio da
administração da justiça a serviço do totalitarismo. E, assim, o regime não
construiu relevantes teorizações no campo do direito, pois o enxergava como um
obstáculo, o qual era obrigado a suportar.
O
movimento nacional-socialista declarava-se antipositivista por duas razões
essenciais: a primeira era porque considerava as leis como um empecilho à
tomada do poder e posteriormente para o seu exercício e, também, porque o
principal teórico do positivismo jurídico era Hans Kelsen, um judeu, de forma
que não ressoava bem ao movimento apoiá-lo.
Apesar
das muitas acusações feitas a respeito, a maior evidencia de que
nacional-socialismo nunca foi positivista é que nunca se preocupou em fazer uma
reforma legislativa efetiva, nem mesmo a Constituição de Weimar foi revogada,
ainda que efetivamente houvesse entrado em desuso.
Desta
forma, criou-se uma “nova” forma de "ler o direito", adaptado de
teorias jusliberalistas, principalmente, da Jurisprudência dos Interesses, onde
se desvincula o juiz da lei e, o subjuga à ideologia do partido no poder, de
forma que todas as leis contrárias ao regime não precisam ser revogadas ou
modificadas, pois o juiz sempre lhe dará interpretação segundo os ideais
nazistas, podendo até ser contra legem.
Losano
comentou que os juízes se viam, assim, na situação de atuar com dois tipos de
normas jurídicas. As emanadas pelo regime nacionalista deviam ser rigorosamente
aplicadas, quase retornando ao tão criticado positivismo jurídico. mas, era só
uma aparência, uma vez que também delas devia desviar assim que a razão
política o exigisse.
As
normas anteriores ao nazismo, ao invés, deviam ser aplicadas de modo
frequentemente contrário à sua própria letra, corrigindo-as com recurso ao
"pensamento por ordenamentos jurídicos concretos" e ao "bem
comum, à boa-fé, ao são sentimentos populares e à vontade do Führer. O direito
perdia então qualquer certeza.
A
situação jurídica ficou a seguinte, em relação às leis anteriores ao regime,
que não haviam sido revogadas, os juízes negavam-lhes aplicação e aplicavam os
ideais do movimento livremente, quanto às leis posteriores, tendiam a
aplicá-las seguindo a lógica mais positivista possível, só se afastando quando
ao regime fosse conveniente.
Primeiro,
destruíram a sistematicidade do Direito revogando-lhe as leis gerais e
implantando a interpretação[12] segundo os princípios[13] orientadores,
posteriormente, chegaram a substituir a justiça estatal, quando, por fim, em
1944, revogaram formalmente o princípio da legalidade, consolidando-se o
denominado duplo-Estado.
Hannah
Arendt comentou que o totalitarismo nos coloca diante de uma forma totalmente
nova de governo. É verdade que desafia todas as leis positivas, mesmo ao ponto
de desafiar aquelas que ele mesmo estabeleceu (...) ou que não se deu ao
trabalho de abolir (Constituir de Weimar). Mas, não opera sem a opinião de uma
lei, nem é arbitrário, pois afirma obedecer rigorosa e acreditamos serem a
origem de todas as leis. A afirmação monstruosa, no entanto, aparentemente
irrespondível do governo totalitário é que, longe de ser "ilegal",
recorre à fonte de autoridade da qual as leis positivista recebem sua
legitimidade final; que longe de ser longe de ser arbitrário, é mais obediente
a essas forças sobre-humanas que qualquer governo jamais foi; e que, longe de
exercer o seu poder no interesse de um só homem, esta perfeitamente disposto a
sacrificar os interesses vitais e imediatos de todos à execução do que supõe
ser a lei da História ou a lei da Natureza.
O seu
desafio às leis positivas pretende ser uma fonte superior de legitimidade que,
por inspirar-se nas próprias fontes, pode dispensar a legalidade menores. A
legalidade totalitarista pretende haver encontrado um meio de estabelecer a lei
da justiça na terra - algo que a legalidade da lei positiva certamente nunca
pôde conseguir.
Para
tanto, bastava-lhes uma classe de juízes condescendentes, que interpretassem de
forma nova as leis anteriores ao regime, o que não foi difícil, tendo em vista
que a maior parte dos juízes era de época anterior à República de Weimar e
jamais haviam concordado com seus ideais, de modo que antes mesmo da ascensão
do nazismo já não aplicavam de forma rigorosa as leis republicanas. Estes
juízes viram no nacional-socialismo uma forma mais concentrada e firme de
governo, de modo que o apoiaram.
Assim,
ao regime bastou-lhes retirar de cena os poucos juízes contrários à sua
ideologia.
Esses
juristas contribuíram ao regime principalmente confeccionando um elenco de
princípios[14]
a serem seguidos, que em suma eram o racismo e o totalitarismo, sendo seus
principais nomes Karl Larenz e Carl Schimt[15].
O
direito, assim, possuía caráter puramente instrumental, que deveria garantir o
exercício do regime no poder sob qualquer aspecto, não sendo conveniente a eles
formar uma lógica sistemática legal, pois a lógica irracional do direito
implantado casava bem com a irracionalidade do Regime.
A
política totalitária não substituiu um conjunto de leis por outro, não
estabelece seu próprio consensus iuris,
não cria, através de uma revolução uma nova forma de legalidade. O seu
desafio a todas as leis positivas, inclusive às que ele mesmo formula, implica
na crença que pode dispensar a qualquer consensus iuris e, ainda assim,
não
resvalar para o Estado tirânico da ilegalidade, da arbitrariedade e do medo.
Pode dispensar o consenso iuris porque promete libertar o cumprimento da
lei de todo ato ou desejo humano: e promete a justiça na terra porque afirma
tornar a humanidade a encarnação da lei.
Conclui-se
que nos anos que precederam a ascensão do regime nacional-socialista e em
especial durante o regime, a teoria jurídica alemã não se desenvolveu com base
em preceitos positivistas, aplicando-se, neste período, um regime jurídico
diferenciado.
A
acusação feita ao positivismo jurídico, vinda especialmente de Gustav Radbruch,
de que seria o responsável pelas atrocidades cometidas durante o regime
Nacional-Socialista, não se sustenta, tendo em vista que o positivismo jurídico
não foi a corrente doutrinária jurídica aplicada durante os anos de domínio
nazista e não era aplicado com rigor nem mesmo nos anos que antecederam a
ascensão do regime.
Mas
então se pergunta qual o motivo dessa acusação e porque foi dada tanta
importância a ela? Obviamente que após a
queda do nazismo e a abertura ao mundo de todas as atrocidades cometidas
durante o regime, foi inevitável que se fizessem questionamentos de como foi
possível que todos tivessem apoiado o nazismo e, principalmente, como os
juristas, que pela lógica deveriam ter sido os maiores opositores a revogação
do Estado de Direito, foram levados a legitimar o regime chancelar suas
crueldades.
Primeiras
respostas vieram em 1946, quando Gustav Radbruch[16] colocou a culpa no
positivismo jurídico, como Losano (2010, p.235) explica: Segundo a tese de
Radbruch, os juristas alemães aceitaram de bom grado as leis iníquas dos
nacionais-socialistas porque o positivismo jurídico os habituara a não colocar
em discussão o direito positivo.
Este
último, era direito por ser estatuído pela autoridade que tinha força para
aplicá-lo. Assim como nos soldados havia sido inculcado o princípio de que
ordens não se discutem, mas se aplicam (Gesetz ist Gesetz). Concluía
Radbruch: “o positivismo jurídico, com seu princípio de que „lei é lei‟, tornou
os juristas alemães inertes contra leis de conteúdo arbitrário.
A
referida teoria pareceu legitimar-se, quando, nos julgamentos de Nuremberg,
vários comandantes nazistas levantaram a tese de defesa de que haviam cometidos
"atos de Estado" decorrentes de sua obediência às leis e a ordens
superiores, não podendo ser responsabilizados, argumento que não foi aceito,
mas que deu força a ideia de cumprimento de dever legal.
Essa
tese, de fato, não tem fundamento, pois os juristas alemães não giram pela
lógica puramente positivista desde o advento da República de Weimar, quando se
negaram a aplicar direito progressista.
Durante
todo o regime nacional-socialista quando não foram chamados a atuar como
positivistas, pelo contrário, foram orientados a interpretar as leis e, em
alguns casos, até mesmo afastar a aplicação da s leis contrárias ao regime,
todas as leis deveriam ser aplicadas segundo os valores do regime político.
Apesar
de a tese ser errônea, esta fora convenientemente acolhida pelos juristas
alemães, especialmente, os comprometidos com o regime, que viram nesta uma
explicação para os atos cometidos durante o regime, o que por consequência
apagou quase vinte anos a oportunidade de profunda análise sobre o tema.
E,
dessa forma, restou comprometida qualquer argumentação quanto à
responsabilidade direta do positivismo no surgimento do regime
nacional-socialista e seus atos cruéis.
Destaque-se
que desde o advento da República de Weimar, os julgadores já não aplicavam o
direito sobre a lógica positivista, não dando efetividade às normas
progressistas republicanas embasados nos fundamentos de correntes doutrinárias
chamadas de jurisprudência dos interesses e de movimento de Direito Livre.
Enfim,
quando o regime nazista chegou ao poder na Alemanha, apenas adaptou a lógica da
jurisprudência dos interesses, criando o paradigma de que todas as normas
jurídicas deviam ser aplicadas à luz dos ideais do partido político e, não mais
do interesse.
Mantendo-se,
desse modo, o direito nos anos de regime nazista, bem distante da lógica positivista. É uma erronia acusar o positivismo e apontar
sua responsabilidade quanto o nacional-socialismo, mostrando-se infundadas as
demais imputações.
Já em
referência ao jusnaturalismo moderno, cabe sublinhar que essa teoria do direito
surgiu, principalmente, diante do advento do Estado Moderno, época na qual
havia sensível centralidade do poder nas mãos do soberano.
E, a
existência de um direito natural, o qual na Idade Média, influenciado pelas
ideias de Santo Agostinho[17], era reconhecido como
decorrente de força sobrehumana, sofreu grande modificação, para fim de retirar
do Direito a influência teológica e reconhecê-lo como decorrente da razão
humana.
Com a
laicização da cultura, o jusnaturalismo moderno impôs que a verdade das
ciências estava confiada à razão matemática e geométrica, a reta razão servindo
como guia das ações humanas.
Com os
pensamentos de grandes teóricos como Hugo Grotius, Samuel Pufendorf e
John Locke há uma mudança de centro com relação às épocas anteriores, a Ciência
Jurídica deixando de estar ligada a concepções mítico-religiosas, para buscar
seu fundamento último na razão humana.
Frisa-se
o pensamento de Grotius[18],
cujas ideias inclusive serviram de inspiração à criação do Direito
Internacional. Segundo o teórico, a validade da norma não é condicionada à lei divina,
como defendido anteriormente, mas sim à concordância necessária entre a norma e
a natureza racional e social, somente sendo concebido como justo aquilo que se
encontra em concordância com referida natureza.
O
referido doutrinador defendia que o Direito Natural devia ser reputado como um
mandamento da reta razão, que indica a necessidade moral inerente a uma ação
qualquer, mediante o acordo ou o desacordo desta com a natureza racional
(GROTIUS, 2004).
Também
se destaca o pensamento de John Locke, segundo o qual convivem,
simultaneamente, um Estado Civil e um Estado da Natureza, neste sendo
apreendidos os direitos naturais, os quais para o autor não são inatos, mas de
fácil apreensão pela razão, e aquele sendo criado pelo homem justamente para
evitar o desrespeito e para assegurar a proteção daqueles direitos.
O
pós-positivismo ao conferir normatividade aos princípios e defender a
reinserção de valores morais no âmbito do direito, serviu de embasamento
jusfilosófico para o neoconstitucionalismo. E, ao identificar a influência do
neopositivismo nesse movimento do constitucionalismo contemporâneo, foram
analisadas através das teorias que serviram de base à formação do pós-positivismo
(jusnaturalismo e juspositivismo) e as principais ideias lançadas por
importantes neopositivistas tais como Dworkin[19] e Alexy.
Com o
término da Segunda Guerra Mundial, notou-se no âmbito da teoria do direito o
surgimento de uma nova corrente do pensamento contemporâneo, esta denominada de
pós-positivismo, para enfrentar as atrocidades cometidas durante a guerra, que
foram justificadas pela estrita aplicação da legalidade, afastada de aspectos
morais, conforme preconizado pela doutrina positivista predominante à época. E,
tal corrente de pensamento, surgiu para superar os valores consagrados pelo
positivismo jurídico, visando reintroduzir no campo do direito, os valores
morais e conferir maior importância aos princípios[20], conforme era defendido à
época do jusnaturalismo moderno.
Simultaneamente
ao advento do neopositivismo, identifica-se, no âmbito do direito
constitucional, o surgimento de um novo paradigma de interpretação
constitucional, o neoconstitucionalismo, o qual, utilizando-se das ideias
defendidas por teóricos pós-positivistas, consagra a introdução de aspectos
materiais nas Constituições nacionais, conferindo aos princípios e valores
morais maior relevância no ordenamento jurídico.
Assim,
o neoconstitucionalismo veio definir novos delineamentos do direito constitucional
contemporâneo, modificando a concepção de interpretação do direito ao
introduzir aspectos materiais em âmbito constitucional e consagrar a
superioridade da Constituição.
Ante a importância de se compreender referido
movimento constitucional, torna-se necessário um estudo acerca das ideias que
possibilitaram seu surgimento, para que seja possível identificar em qual
sentido tais pensamentos pós-positivistas exercem as influências nas
Constituições contemporâneas, o pós-positivismo constituindo então o
pressuposto filosófico do neoconstitucionalismo.
O novo
positivismo adveio o da superação histórica do jusnaturalismo aliado ao fracasso
político do positivismo o que deu azo ao amplo conjunto de reflexões sobre o
Direito, sua função social e sua interpretação. Indo além da legalidade
estrita, não se despreza o direito posto, mas procura-se empreender leitura
moral do Direito e, recorrer fatalmente às categorias metafísicas.
Então,
o pós-positivismo procura nova roupagem ao jusnaturalismo e juspositivismo, em
que o comando normativo não mais prepondera dissociado de conteúdo moral
externo.
Destaca-se.
. o pensamento de John Locke, segundo o qual convivem, simultaneamente, um
Estado Civil e um Estado da Natureza, neste sendo apreendidos os
direitos
naturais, os quais para o doutrinador não são inatos, mas de fácil apreensão
pela razão, e aquele sendo criado pelo homem justamente para evitar o
desrespeito e para assegurar a proteção daqueles direitos.
Apesar
de cada teórico possuir uma interpretação própria acerca do direito natural,
todos defendiam um ponto em comum, ou seja, o fato de o direito natural ser um
ditame da reta razão, estritamente ligada aos valores morais. Não havia
separação, para os autores do período, entre o Direito Natural e o Direito
Moral, apenas sendo válido o direito diretamente derivado da observância da
moralidade humana.
Contudo,
tais valores, isto é, os princípios morais apenas eram previstos de forma
abstrata, a sua normatividade sendo basicamente nula, apenas havendo o
reconhecimento de sua dimensão ético-valorativa. O jusnaturalismo moderno,
assim, ao aproximar a lei da razão, e pressupor a existência de princípios de
justiça universalmente válidos, transformou-se na filosofia natural do Direito,
constituindo o combustível das revoluções liberais que culminaram com a
elaboração das Constituições escritas e as codificações.
As
referidas revoluções e também os movimentos constitucionais que atendiam aos
reclames da sociedade por uma limitação do poder concentrado e ilimitado do
soberano, acabaram por conferir uma grande importância à lei escrita, criando
meios para o surgimento do pensamento positivista.
Assim,
valores morais e princípios não positivados no ordenamento jurídico foram
relegados a um segundo plano, as normas de conduta ficando adstritas ao
estabelecido na lei.
A
partir do juspositivismo, os princípios passam a possuir uma natureza meramente
supletiva ou interpretativa, não sendo mais reputados, segundo defendido pelos
jusnaturalistas, como valores superiores ou anteriores à lei. Segundo essa nova
corrente de pensamento, os princípios podem ser inferidos do próprio sistema,
seu valor derivando das próprias leis.
O
positivismo jurídico, modernamente, originou-se dos pensamentos de Augusto
Comte[21], este considerado por
muitos como o fundador do positivismo jurídico, tendo em Hans Kelsen e em
Herbert Hart seu apogeu.
Assim,
para Kelsen(1998), haveria uma separação entre o direito e a moral, o estudo do
Direito devendo ser desprovido de valores, a moral devendo ser tida como
extrínseca ao ordenamento jurídico. Como esclarece o teórico:
Se
supusermos que Direito é, por sua essência, moral (tem caráter moral),então não
faz qualquer sentido a exigência – feita sob o pressuposto da existência de um valor moral absoluto – de
que o Direito deve ser moral [...]
A
exigência de uma separação entre Direito e Moral, Direito e Justiça, significa
que a validade de uma ordem jurídica positiva é independente desta Moral
Absoluta, única válida, da Moral por excelência, de a Moral (Kelsen,1998)
Desta
feita, uma ordem jurídica, mesmo que contrariasse alguns alicerces morais,
seria válida: o Direito pode ou não ser moral, entretanto, o fato de este não
ser justo, não retira a validade de determinado sistema jurídico (Kelsen,
1998).
Desse
modo, são apenas as leis postas que devem ser observadas na aplicação do
Direito, podendo-se afirmar que a justiçar estaria configurada na própria
aplicação da lei, cabendo ao operador do direito aferir tão-somente a validade
formal da norma e não a justiça de sua aplicação.
Do
mesmo modo, de grande relevância é a teoria formulada por Hart, o qual, assim
como Kelsen, propõe em sua obra “The concept of Law”, a separação
entre o Direito Moral e faz considerações, em especial, acerca dos critérios de
validade da norma no ordenamento jurídico.
Em sua
descrição do sistema jurídico, Hart trata da questão da validade das normas de
ordenamento jurídico, reconhecendo a existência de uma regra de reconhecimento
como fundamento último e critério supremo de validade de todas as demais normas
jurídicas.
Em sua
teoria, mesmo quando não há nenhuma regra que regula o caso, o juiz continua
ater o dever, mesmo nos casos difíceis, de descobrir quais são os direitos das
partes, e não inventar novos direitos retroativamente.
Nesse
sentido, devem os juízes buscar uma decisão, para o caso concreto, em
princípios, estes tidos como de observância obrigatória na teoria Dworkin.
Assim, não haveria criação do direito pelo juiz no exercício de seu poder
discricionário, já que este não possui competência para tanto, havendo apenas a
descoberta por ele de qual o direito (os princípios) que deve ser utilizado no
caso concreto.
Desta
feita, o autor passa a reinserir os princípios como normas jurídicas
vinculantes, asseverando que estes devem ser tratados da mesma maneira que as
regras, sendo eles, portanto, integrantes do direito e possuindo
obrigatoriedade de lei.
Reconhece-se,
pois, a possibilidade de tanto uma constelação de princípios como uma regra
positivamente imposta estabelecer uma obrigação legal.
Em
sentido contrário, as regras devem ser aplicadas “à maneira tudo ou nada”(Dworkin,
2002). Quando um fato se subsume à regra, ela deve ser aplicada; caso
contrário, não gera qualquer efeito, não contribuindo para a decisão. Assim, caso
as duas regras entrarem em conflito, uma delas não pode ser regra válida.
A
decisão acerca de qual será válida qual deverá ser abandonada ou reformada fica
sujeita a considerações exteriores às próprias regras (Dworkin, 2002).
Verifica-se
que, para Dworkin (2002), a moralidade encontra-se evidente no direito, ante o
fato de os princípios possuírem força normativa. O princípio, para ou autor, é
um padrão que deve ser observado porque é uma exigência de justiça ou equidade
ou alguma
outra
dimensão de moralidade.
Enfim,
para o doutrinador, afirmar que uma regra é válida significa que esta satisfaz
todos os requisitos previstos pela regra de reconhecimento. É esta regra de
reconhecimento, portanto, que estabelece os critérios através dos quais a
validade das demais regras do sistema são avaliadas, estas apenas necessitando
satisfazer tais requisitos para serem reputadas como válidas no ordenamento
jurídico.
No que
se refere à relação do direito com a moral, Hart, indo além de teorias
juspositivista que o precederam, assumem a existência de uma relação inerente
entre direito e moral, esclarecendo que a moral tem moldado o desenvolvimento
do direito.
O
doutrinador inclusive implantou a ideia do "conteúdo mínimo do direito
natural", que correspondente aos princípios de conduta reconhecidos
universalmente e exigíveis para a viabilidade de qualquer organização social.
(Hart, 1996).
Ressalte-se
que a posição originalmente adotada pelo doutrinador fora revista, tendo Hart
aceitando, após as críticas apontadas por Dworkin, a possibilidade de a regra
de reconhecimento adotar algum aspecto material e moral, para evitar
incorreções.
A
constatação de que o desenvolvimento do direito foi influenciado pela moral,
não nos permite concluir que o sistema jurídico, segundo as ideias defendidas
por Hart, necessariamente deve se adequar a essa moral ou à justiça.
Os
critérios de validade jurídica de leis concretas de um sistema jurídico, pois,
não necessariamente devem, na concepção de Hart, incluir uma referência à moral
ou à justiça.
Constata-se
que, em todas as concepções positivistas do ordenamento jurídico a questão
central gira em torno da segurança jurídica da aplicação da norma jurídica,
enquanto o ponto relativo à justiça de aplicação de norma restringe-se a seu
aspecto formal, isto é, a sua validade formal.
Do
mesmo modo, para os positivistas, ao contrário do estabelecido pelo
jusnaturalistas, a moralidade é extrínseca ao direito, ao aplicador do direito
não competindo a análise da justiça de uma norma.
Entretanto,
ocorre, que ao equiparar o Direito à lei e afastá-lo das concepções de justiça,
o positivismo serviu de norte ao cometimento de barbáries e crueldades em
meados do século XX, o que levou à decadência da corrente juspositivista. Sua
decadência é emblematicamente relacionada à derrota do fascismo na Itália e do
nazismo na Alemanha, nos quais foram promovidas barbáries sob a proteção da
legalidade.
Desse
modo, ao final da Segunda Guerra Mundial, a ética e os valores começam a
retornar ao Direito, levando ao surgimento de uma nova corrente de pensamento,
qual seja, o pós-positivismo[22], a qual, como destacado
no início deste trabalho, se apresenta como uma confluência do jusnaturalismo e
juspositivismo, retratando valores defendidos por ambas as correntes.
Como
destaca Faralli (2006), a partir da queda da distinção entre direito e moral, a
qual prevalecia durante o positivismo jurídico “abre-se um novo caminho para
uma filosofia do direito normativa, empenhada em questões de grande repercussão
política e moral, em estreita conexão com a filosofia política e a filosofia
moral”.
Relevante
modificação no tocante à doutrina anterior (positivismo) se dá com relação ao
valor dos princípios. A partir dos pós-positivismo, as novas Constituições dos
Estados passam a aceitar a hegemonia axiológica dos princípios, estes sendo
considerados de fundamental importâncias nos novos sistemas constitucionais.
Desse
modo, com o neopositivismo, os valores passam a permear o sistema tanto no
momento da confecção da norma como durante a aplicação da mesma, legitimando-se
a utilização de parâmetros de justiça e equidade para a resolução dos casos
submetidos à apreciação do aplicador do direito, ante a abertura valorativa do
sistema jurídico.
Passa-se,
portanto, à utilização tanto de aspectos do jusnaturalismo, por se defender uma
aproximação do direito com a moral (o que não era reconhecido pelos
positivistas), quanto de aspectos do juspositivismo, ao se pressupor a
normatividade dos princípios e, consequentemente, dos valores morais (ao
contrário do estabelecido no jusnaturalismo, no qual os princípios apenas eram
previstos de forma abstrata).
Como
principais teóricos desse novo movimento, temos Ronald Dworkin (Taking
rights seriously, 1977), John Rawls (A theory of justice,
1980), Gustavo Zagrebelsky (El derecho dúctil, 1992) e Robert Alexy (Teoria
de los derechos fundamentales, 1985). Destaca-se que apesar de cada teórico
possuir uma concepção própria acerca do direito e da relação desse coma moral,
suas ideias não se inserindo em um movimento unitário, é possível identificar
características comuns entre suas ideias, sobretudo ante o fato de que
“relativizam a separação entre o Direito e a Moral, admitindo critérios
materiais de validade das normas”.
Cumpre
salientar que a abertura do debate jusfilosófico contemporâneo aos valores
ético-políticos teve como um de seus resultados o surgimento do
neoconstitucionalismo.
A
identificação do constitucionalismo como teoria específica do direito e sua
distinção do positivismo jurídico foi proposta por Robert Alexy (1993), o qual
se inspirou nas ideias de Ronald Dworkin
(1977) (Faralli, 2006).
O novo
constitucionalismo surgiu contemporaneamente às críticas de Dworkin ao
positivismo da década de 1960. O doutrinador
faz um ataque geral ao positivismo, como ele mesmo afirma em sua obra,
utilizando-se da versão de Hart como alvo.
Ao
questionar a tese hartiana da separação entre direito e moral, defende não ser
possível diminuir os ordenamentos jurídicos a meras estruturas normativas,
estabelecendo que, ao lado das regras, existam os princípios, os quais
transcendem o direito estatuído.
Ressalta
o teórico que o positivismo jurídico fracassou, essencialmente, em razão de os
teóricos ignorarem o fato crucial de que os problemas da teoria do direito são,
na realidade, problemas relativos a princípios morais e não a estratégias ou
fatos jurídicos.
Desse
modo, defende que para qualquer teoria ser bem sucedida, deve-se trazer à luz
tais problemas e enfrentá-los como problemas de teoria moral (Dworkin, 2002).
Ao
contrário do pensamento positivista, Dworkin (2002) assevera que no caso de os
juízes se depararem com os chamados “casos difíceis”, ou seja, aqueles casos em
que os juristas não encontram no ordenamento jurídico posto qualquer regra que
poderia ser aplicada, não se deve conferir a eles um poder discricionário para
decidirem o caso como bem entenderem, legislando novos direitos jurídicos e
aplicando-os retroativamente.
Dessa
forma, na teoria de Dworkin, a normatividade dos princípios aparece como
condição de existência da normatividade do ordenamento jurídico como um todo, representando
a dimensão moral da evolução do direito.
Do
mesmo modo, Robert Alexy, em sua obra “Teoria dos Direitos Fundamentais[23]”, bem como em livros
posteriores, como o “Conceito e a Validade do Direito”, também defendeu a
normatividade dos princípios, bem como a conexão conceitual e normativamente necessariamente
o direito e a moral.
Alexy,
aprimorando a teoria de Dworkin, procura fazer uma distinção entre princípios e
regras, identificando aqueles como uma espécie normativa qualitativamente
distinta das regras. Apesar de utilizar-se das ideias de Dworkin para a
formulação de sua própria teoria, entretanto, aduz que referido autor não
chegou ao núcleo da distinção entre regras e princípios, núcleo este que
consiste no fato de os princípios deverem ser vistos como mandados de
otimização, que significa que “son normas que ordenan que algo sea realizado
en una medida lo mayor posible dentro del marco de las posibilidades fácticas e
jurídicas” parte do pressuposto, portanto, de que entre os princípios e
regras não há tão somente uma distinção de grau, mas também de qualidade.
Essa
distinção entre regras e princípios constitui a base do argumento de Alexy em
favor da instituição de um constitucionalismo moderado, em que tanto as regras
quanto os princípios são normas de observância obrigatória.
Segundo
o autor, os princípios, mais genéricos e abstratos, podem ser definidos como
“preceitos de otimização”, ou seja, como diretrizes realizáveis apenas em parte
e em medida variável, que não prescrevem condutas específicas, mas remetem a
valores que deverão ser efetivados na maior medida possível (Alexy, 2008).
Dessa
forma, podem ser cumpridos em diferentes graus, exigindo-se a aplicação da
técnica da ponderação para sua adequada aplicação.
As
regras, por sua vez, “são normas que são sempre satisfeitas ou não satisfeitas.
Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem
mais, nem menos”(Alexy, 2008).
Ou
seja, se ocorre a subsunção do fato à regra, seus efeitos devem ser produzidos
exatamente como determinado na própria regra, devendo esta ser aplicada
integralmente.
Onde a
distinção entre regras e princípios desponta com mais nitidez é ao redor da
colisão de princípios e do conflito de regras. Havendo conflito de regras, este
apenas pode ser resolvido se houver uma cláusula de exceção que remova o
conflito ou se uma das regras for declarada nula. Já no caso de colisão de
princípios, a situação é totalmente diferente.
Nesse
caso, a colisão ocorre se algo é vedado por um princípio, mas permitido por
outro, hipótese em que um dos princípios deve recuar. Isto, porém, não
significa que o princípio do qual se abdica seja declarado nulo, nem que uma
cláusula de exceção nele se introduza. O que vai determinar qual o princípio
que deve ceder serão as circunstâncias do caso (Alexy, 2008).
Assim,
um princípio cede ao outro em determinadas circunstâncias e, em situações
distintas, a questão da prevalência se pode resolver de forma contrária. Com
isso, se quer dizer que os princípios têm um peso diferente nos casos
concretos, e que o princípio de maior peso é o que prepondera.
Nesse
sentido é que se indica que os princípios instituem obrigações primafacie, já
que podem eles ser superados, ou terem reduzido seu âmbito de abrangência em
face da colisão com outro princípio no caso concreto.
Dessa
forma, verifica-se que os conflitos de regras se desenrolam na dimensão de
validade, ao passo que a colisão de princípios transcorre fora dessa dimensão
de validade e dentro da dimensão do peso, ou seja, do seu valor.
As
ideias de Dworkin e Alexy mostram-se relevantes ao se propor, por meio da
distinção entre princípios e regras, ambas de caráter normativo, uma
reviravolta em relação ao positivismo, que passa a considerar a presença dos
princípios no processo de aplicação e interpretação do direito[24].
Desse
modo, ao inserir os princípios como valores fundamentais no direito,
reaproximando o direito da moral, os pensamentos pós-positivistas, acabaram por
servir de embasamento jusfilosófico para um movimento no âmbito do Direito
Constitucional que se desenvolvia concomitantemente ao surgimento dos
pensamentos pós-positivistas, qual seja, neoconstitucionalismo.
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[1]
Para Radbruch, “ordens são ordens, é a lei do soldado”. A afirmação, tomada
isoladamente, justificaria a posição dos alemães julgados em Nuremberg, e de
todos os que foram posteriormente processados, inclusive entre os próprios
alemães e no que se refere às próprias consciências. Além do que, continua, “a
lei é a lei, diz o jurista”. Explicando o tempo que a Alemanha acabava de
viver, isto é, os anos do nacional-socialismo, afirmou que “ao passo que para o
soldado a obrigação e o dever de obediência cessam quando ele souber que a
ordem recebida visa a prática dum crime, o jurista, desde que há cerca de cem
anos desapareceram os últimos jusnaturalistas, não conhece exceções deste
gênero à validade das leis nem ao preceito de obediência que os cidadãos lhes
devem”. Concluiu esse primeiro minuto
culpando o positivismo pelo pesadelo nazista, do ponto de vista jurídico: “Esta
concepção de lei e sua validade, a que chamamos Positivismo, foi a que deixou
sem defesa o povo e os juristas contra as leis mais arbitrárias, mais cruéis e
mais criminosas. Torna equivalentes, em última análise, o direito e a força,
levando a crer que só onde estiver a segunda estará também o primeiro”.
[2]
A norma jurídica não se confunde com o texto da norma, mas reflete os sentidos
decorrentes da interpretação de seu texto. Normas são “os sentidos construídos
a partir da interpretação sistemática de textos normativos” . Os dispositivos
normativos (texto) são o objeto da interpretação, enquanto a norma é o seu
resultado. Em suma, o texto da norma não se confunde com a própria norma, a
qual surge com a interpretação. A norma jurídica se extrai, pois, do processo
interpretativo.
[3] É o posicionamento de Arthur Kaufmann apud
Juan António García Amado (1991), para quem o positivismo jurídico, sob o
nazismo, foi um “positivismo legalista pervertido’, que exigia obediência das
leis do nazismo, mas que se transformava em jusnaturalismo ao afirmar a
superioridade do ordenamento nazista sobre a lei liberal-democrática”.
[4]
Thomas Mann chegou em certa passagem a afirmar que, em sua essência, as
premissas do nacional-socialismo já estavam arraigadas no povo alemão. In
litteris: “Admito que isso que se chama de nacional-socialismo tem raízes
profundas na vida alemã. É a forma virulenta de degeneração de ideias que
sempre trouxeram em si o germe da corrupção assassina, ideias de modo algum
alheias à boa e velha Alemanha da cultura e da formação. Aí elas viviam
nobremente, chamavam-se “romantismo” e deixaram o mundo fascinado. Pode-se
muito bem dizer que elas decaíram, que estavam destinadas a decair, visto que
foram desembocar num Hitler. Somadas à incrível adaptação da Alemanha à idade
da técnica, elas formam hoje uma mistura explosiva que ameaça toda a
civilização. Sim, a história do nacionalismo e do racismo alemão que resultou
no nacional-socialismo é longa e terrível; ela vem de longe, é interessante no
início e se torna cada vez mais vulgar e abominável. Mas confundir essa
história com a própria história do espírito alemão e amalgamá-las numa só é
pessimismo crasso e seria um erro perigoso para a paz."
[5]
Em verdade, muitos critérios foram apresentados para responder as questões
difíceis tais como a tese da única decisão correta de Dworkin a tese de Alexy
que engloba a otimização (princípios como mandamentos de otimização a serem
realizados na maior medida possível), compatibilizada com a lei da colisão e
com os critérios de ponderação como uma pretensão de correção do direito.
Ademais a hegemonia da maioria dominante, não é mais admissível numa sociedade
pluralista.
[6]
Em sua obra intitulada "Modernidade e holocausto" que foi ganhadora
do Prêmio Amalfi (1989), concedido ao melhor livro de sociologia publicado na
Europa naquele ano, Bauman contextualiza, com grande acuidade o holocausto.
Abordou o papel que nele desempenha a burocracia moderna alemã, fato que Thomas
Mann como se dessume do trecho citado, denomina de "idade da
técnica".
[7]
Em relação às leis de Nuremberg, em nome da lei o direito foi utilizado para a
realização de barbáries e atrocidades. O mundo não mais aceitava o império de
uma lei tirânica. Alguns parâmetros morais de justiça precisavam ingressar no
direito, visto que somente os critérios formais de validade não eram
suficientes. Com isso, surge o movimento de aproximação do Direito com a moral,
o pós-positivismo.
[8]
A afirmação de Habermas de que a aplicação dos princípios é uma “qualificação
orientada por finalidades”, o que retiraria força dos direitos fundamentais
diante da escolha dessas finalidades, é respondida por Alexy (2008b) em seu
posfácio escrito em 2002. Segundo essa resposta, sua teoria se sustenta não por
encontrar a resposta racional em todos os casos, o que é possível, mas diante
da racionalidade encontrada no conjunto dos casos, o que “é interessante o
suficiente para justificar o sopesamento como método”.
[9]
Movimento do Direito Livre, iniciado ao final do século XIX, foi uma reação às
correntes positivistas legalistas levadas ao exagero. Desta feita, esse
movimento denunciava a existência de um direito independente da origem estatal,
chamado de Direito Livre, bem como a falibilidade da lei como fonte única de
direito. Atenção: direito livre também é o nome utilizado para o movimento
associado a Hermann Kantorowicz e à Escola de Direito Livre.
[10]
A jurisprudência dos interesses foi a segunda subcorrente do positivismo
jurídico, segundo a qual a norma escrita deve refletir interesses, quando de
sua interpretação. Seu principal representante foi Philipp Heck. Os seus
partidários são aqueles que têm como autênticos os elementos da lei. Acima da
vontade do legislador existem os interesses que motivaram esta mesma vontade,
sendo que é muito mais importante a procura de tais interesses do que ela. A
interpretação do Direito se faz procurando determinar historicamente quais
foram os interesses que causaram a lei. Esta Escola, entretanto, admite o
legislador escolher entre os vários interesses em jogo.
[11]
As principais características da Escola da Exegese eram: a inversão das
relações tradicionais entre direito natural e direito positivo, a onipotência
do legislador, a interpretação da lei fundada na intenção do legislador, o
culto ao texto da lei e o respeito pelo princípio da autoridade. A escola da
Exegese foi criticada por vários autores, entre eles: François Gény, Rudolf von
Ihering, Eugen Ehrlich etc. Em geral, as críticas se fundamentavam em torno do
fetichismo da lei e da forma literal como se interpretava o Direito. A Escola
da exegese, também conhecida como Escola filológica, foi uma das primeiras
correntes de pensamento juspositivista, florescendo na França de inícios do
século XIX, a partir do advento do Código Napoleônico, tendo, entretanto, ultrapassado
as fronteiras do seu país de origem, disseminando-se por toda a Europa.
[12]
É a interpretação realizada pelos aplicadores do direito, mais precisamente
pela Corte Constitucional, que delimita a amplitude dos direitos
constitucionais. O processo de interpretação é, pois, indispensável à aferição
do conteúdo exato da própria Constituição.
[13]
Os princípios são pautas abertas oxigenadoras do sistema com valores, mas não
quaisquer deles, somente os mais relevantes para toda a sociedade. São o pilar
central do ordenamento jurídico e, por isso, possuem forte presença no corpo
das Constituições contemporâneas.
[14] Há ainda que se destacar que os princípios se
propõem a uma abertura da Constituição (e do direito) aos valores sociais,
permitindo a oxigenação do sistema.
Canotilho (2003)ainda assevera que a Constituição convive com um sistema
interno de regras e princípios, em que os princípios estruturantes contêm as
diretivas básicas da ordem constitucional, seguidos dos princípios
constitucionais gerais e dos princípios constitucionais específicos e das
regras constitucionais.
[15]
Em janeiro de 1933, um dia após a nomeação de Hitler para o cargo de chanceler
da República de Weimar, na Alemanha, Carl Schmitt deu uma entrevista no rádio
para Veit Rosskopf, na qual disse: “Eu sou um teórico”, e complementou:
“um puro acadêmico e nada mais que um acadêmico”. Também em 1933, após uma
série de expurgos realizados por Hitler em universidades alemãs, Schmitt se
filiaria ao Partido nazista e se tornaria professor da Universidade de Berlim,
em substituição a Hermann Heller, cargo que ocupou até o término da Segunda
Guerra Mundial. No mesmo ano, Schmitt foi nomeado Conselheiro de Estado para a
Prússia e se tornou presidente da União de Juristas Nacional-Socialistas.
[16]
Gustav Radbruch invoca um direito supralegal, protestando por princípios
fundamentais que orientam o direito e que transcenderiam o direito positivo,
retomando um jusnaturalismo que também nominou de jusracionalismo. A guinada de
Radbruch para o jusnaturalismo, para alguns uma correção de rota, e para outros
a continuidade de uma linha conceitual que se aperfeiçoava e qualificava, é
sintoma muito nítido de que a apologia ao jusnaturalismo é recorrente em
instantes que sucedem a ditaduras, o que poderia identificar no
neoconstitucionalismo um roteiro histórico parecido, a exemplo de sua
ressonância em países como Espanha, Portugal, Itália, Argentina, Colômbia e,
principalmente, no Brasil.
[17]
No que tange às leis, Agostinho as divide em: Lei eterna: Direito natural. Em
um primeiro momento, o homem não possui acesso à essa lei, por ser cometedor do
pecado original. Entretanto, o homem pode ter acesso ao direito natural através
da fé (usando do livre-arbítrio para olhar para si próprio). Santo Agostinho
(354-430), via o direito natural como imutável. Tinha como base o princípio das
leis, das normatividades criadas e comandadas pelo “poder” divino (Deus). A
filosofia agostiniana identifica-se com três tipos de leis: Lei eterna, Lei
natural e Lei positiva. A Lei eterna pode ser vista como a razão divina, a
vontade do criador do universo sendo responsável por guardar a ordem natural. A
lei natural, localiza-se na razão do ser humano que possui a capacidade de
escolha ( livre arbítrio), estando inscrita em seu coração, que segue o
princípio de não fazer aos outros o que não queremos que seja feito a nós
mesmos (Máxima cristã). Por último, a lei positiva, criada pelo legislador,
pelos homens e possui fundamento na lei natural, lembrando que todas essas
seguem o princípio da lei eterna.
[18]
No Mare Liberum (1609)8 Grotius defende o direito de todas as nações
usufruírem dos mares e rotas comerciais. O contexto apresentado nessa obra é a
disputa que envolve as Províncias Unidas (atual Países Baixos) e a União
Ibérica acerca dos usos dos mares e o direito de navegação e comercialização.
Nesse cenário, vemos a UniãoIbérica9, formada por Portugal e Espanha, alegar
ter exclusividade sobre esses direitos e considerado ilegal que outros povos
façam o mesmo. Com o Tratado de Tordesilhas, em 1494, e postumamente com a
união das duas coroas, todas as terras e mares do mundo conhecido a época
pertenciam a União Ibérica.
[19]
O positivismo, nas palavras de Dworkin (2002), pode ser resumido em três
preceitos-chave: (a) acreditar o direito como “um conjunto de regras especiais
utilizado direta ou indiretamente pela comunidade com o propósito de determinar
qual o comportamento será punido ou coagido pelo poder público”, regras essas
que são aferidas quanto a sua validade (pedigree); (b) caso não se encontre uma
solução dentro do direito (conjunto de regras) para uma determinado fato, o
aplicador da norma deve ir “além do direito na busca de algum outro tipo de
padrão que o oriente na confecção de nova regra jurídica ou na complementação
de uma regra jurídica já existente”; e (c) dizer que “alguém tem uma ‘obrigação
jurídica’ é dizer que seu caso se enquadra em uma regra jurídica válida que
exige que ele faça ou se abstenha de fazer alguma coisa. (...) Na ausência de
tal regra jurídica válida não existe obrigação jurídica”.
[20]
As definições do conteúdo de princípios constitucionais como da dignidade da
pessoa humana (art. 1º , III, CF), do solidarismo social (art. 1º , II, CF), da
eficiência (art. 37, CF), entre outros, são exemplos de participação ativa da
doutrina e, sobretudo, do aplicador do direito na formulação do exato conteúdo
da norma. A sede constitucional dos princípios não impede, contudo, que eles
existam fora da Constituição. Há princípios jurídicos, com força normativa, nos
vários microssistemas de direito público e privado, os quais são específicos a
cada um deles. Inserem-se nos códigos gerais ou nas normas específicas. Mas
regulam situações restritas, específicas de cada um deles, como no direito tributário,
administrativo, empresarial etc.
[21]
Modernamente, o positivismo foi centrado nas ideias de Augusto Comte e tem em
Kelsen e, posteriormente, em Hart seu apogeu. Comte, considerado por alguns,
como o fundador do positivismo, abandona a busca de causas religiosas para
centrar seu pensamento na busca empírica nos próprios fenômenos observáveis,
propondo a “separação entre Igreja e Estado”. O ponto central de sua obra é a
tentativa de separar a religião de aspectos racionais.
[22]
O termo "pós-positivismo" ou não positivismo foi introduzido no
Brasil por Paulo Bonavides em 1995,
na quinta edição de seu
Curso de Direito Constitucional. E, defende a ideia de que há ou deve haver um
relacionamento entre o direito e a justiça (moral).
[23]
Direitos fundamentais são aqueles inerentes à proteção do Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana. Elencados na Constituição Federal, possuem a mesma
finalidade que os direitos humanos. A diferença se dá no plano em que são
instituídos: se os direitos declaram, as garantias fundamentais asseguram.
Assim, os direitos fundamentais são inalienáveis do contrato social feito entre
o indivíduo e o Estado, uma vez que a aplicação dos direitos fundamentais do
cidadão brasileiro não pode ser ignorada pelo Poder Estatal.
[24]
O positivismo não mais foi capaz de construir uma resposta lógica para as
questões jurídicas contemporâneas, principalmente as mais complexas ou
difíceis. A justiça, em muitos momentos esquecida, não mais pode ser deixada
para segundo plano. A sociedade exigiu a compatibilização da segurança jurídica
(ponto forte do positivismo jurídico) com a justiça (ponto de busca incessante
do pós-positivismo, sem o esquecimento daquela).